domingo, 4 de novembro de 2007

Zagati: um sinéfilo apaixonado




José Luiz Zagati, 57, é um apaixonado por cinema, tanto que aos domingos reserva um espaço de sua garagem para transmitir filmes às crianças da região de Taboão da Serra. Zagati, como é conhecido em seu bairro, já foi tema de documentário francês, apareceu em diversos programas de televisão e em vários eventos do cinema brasileiro. Com isso tudo, e sem nenhum apoio financeiro, ele tem um sonho: construir sua própria sala de cinema.

D-O-B: Quando e por que você veio para São Paulo?
Eu nasci em 1950 e aos 5 anos de idade a minha irmã me trouxe do interior de São Paulo e logo em seguida veio o meu pai para conseguir algum dinheiro para voltar ao interior e construir um terreno próprio. Ele veio para São Paulo tentar ganhar um dinheiro e acabou ficando por aqui.

D-O-B: O Senhor é hoje uma pessoa conhecida pelo seu trabalho. Quais foram as dificuldades enfrentadas?
Foram todas as dificuldades possíveis. Em 1990, eu fiquei desempregado. Já estava com 40 anos. Tentei montar um negócio próprio só que não deu certo. Então eu resolvi voltar a procurar emprego e não consegui mais. Aí por questão de necessidade eu comecei a trabalhar como catador de papel para ajudar a minha família. E aí eu comecei a achar todo o tipo de coisa relacionado ao cinema, caixa de filme, resto de projetor, exatamente com esse trabalho.

D-O-B: O mini-cine é um projeto voltado só para crianças?
Sempre foi. O público-alvo são as crianças de Taboão da Serra. Como em qualquer parte do Brasil, existe muita criança e aqui na periferia principalmente. Elas são muito carentes, né?
Nos anos 70 tinha o Cine-Tupi que nunca mais voltou e nos anos 90 nós criamos o mini-cine Tupi. È um cineminha modesto que tenta atender à criançada de escola e da rua também. Na verdade, o cinema é para todos, como idosos e pessoas de igreja que querem assistir determinado filme. É simples, mas é aberto a todos.

D-O-B: Os filmes são transmitidos em quais dias da semana?
Os filmes são transmitidos de terças, quartas, quintas e domingos, mas se alguém quiser assistir algum filme fora desses dias, não tem problema. A gente apresenta também um programa da prefeitura chamado Circulação Cultural, que é na comunidade, envolvendo teatro, música, outras atividades culturais e o cinema para fechar.

D-O-B: Fale sobre o empresário da região que fez doações:
Então, eu comecei a construir, e aí um empresário daqui de Taboão da Serra, é dono de uma casa de materiais de construção e veio até aqui. Hoje, ele é um empresário, mas quando ele veio pra cá da Bahia também foi catador de papel e ele disse que ia me ajudar com um pouco de material, como areia e cimento e depois eu agradeci. Tive ajuda também do pessoal da favela do Heliópolis, quando as crianças começaram a vender doces e arrecadaram mil reais, me ajudando a terminar de construir o espaço.

D-O-B: Já existe a idéia de criar novas salas em outros lugares?
Expandir para outros lugares inclusive a gente já faz. Pelo menos o cinema itinerante. A gente leva cinema para toda a comunidade Taboão da Serra, São Paulo, Grande São Paulo. Então, quer dizer, com material, equipamento obsoleto. Eu pretendo ter, não só o espaço físico, mas também equipamentos de melhor qualidade.

D-O-B: Você já foi a diversos programas de televisão, já esteve com pessoas envolvidas com a mídia que admiram seu trabalho, já fez e foi título de documentário, já ganhou alguns prêmios de cinema, entre outras coisas. Mesmo assim, ainda não conseguir concretizar o seu sonho. Na sua opinião, o que está faltando?
Olha, eu não sei o que está faltando. É interessante porque todo mundo reconhece meu trabalho. Eu não sei porque a gente não consegue. Todo mundo fala: “Zagati, parabéns! Continue como você está. Continue desse jeito.” E eu agradeço. Aí as pessoas vão pra rua, pegam o carro e vão embora, e eu continuo com o meu trabalho de catador. É engraçado. Eu continuo como eu estou. Eles acham que eu devo continuar assim para não me descaracterizar, mas não é isso que eu quero. Eu sonho com um espaço maior, aconchegante para a população. Esse é o meu sonho. As pessoas da televisão, da imprensa, personalidades, políticos, eles acham que eu devo continuar dessa maneira, sempre com essa característica. Acham que é bonitinho ficar assim.

D-O-B: Como você se sentiu quando soube que sua vida ia virar um documentário na França?
Olha, eu nunca me empolguei com nada não, viu? O primeiro foi um documentário e depois foi o do cinema, começou com festival e tal. Aí depois o pessoal da França me ligava, fizemos alguns contatos e até que chegou um dia que eles vieram para o Brasil e marcaram entrevista. As pessoas falavam: “Zagati, quando a imprensa estrangeira te conhecer e vier aqui, aí você vai ficar conhecido, porque aqui ninguém liga pra ajudar.” Eu ouvia aquilo, mas nunca liguei. Aí quando o pessoal da França me ligou eu achei que fosse melhorar. Foi gravado o documentário e ficou por isso mesmo. Eu nunca fui muito de ficar esperando das pessoas, não. Nada mudou.

D-O-B: Como você virou promotor de eventos do Governo do Estado de São Paulo?
Devido à imprensa. A imprensa leva o nome da gente, os grandes jornais. O ex-secretário de Cultura da época, Marcos Mendonça, mandou que um funcionário que era morador do Taboão da Serra viesse me procurar e me levou até lá. O Marcos Mendonça fez uma entrevista comigo e ele sabendo que nós éramos catadores de papel disse que eu estava contratado. Primeiramente, eu ia começar freqüentando as favelas de São Paulo, e a primeira foi a favela Alba, depois esticou o projeto para idosos, visitávamos asilos com o transporte da secretaria. Ficamos bastante tempo assim, e depois no interior de São Paulo, que eles mandavam fitas e nós íamos para lá. Eu fiquei lá até final do ano. Novo governo eu teria que prestar serviço interno.

D-O-B: Se sua vida fosse um filme, qual seria?
Eu não sei. Se a minha vida fosse um filme, seria exatamente como já disse o roteiro, né? A minha história toda, a minha vida: Zagati, um senhor pequenininho, a vida no cinema, a vinda para São Paulo, desde pequeno até virar adulto, as dificuldades com meu pai e minha mãe e com um sonho de fazer um dia um cinema.

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